Entre outros tantos debates suscitados por ocasião do Dia do Homem, celebrado no Brasil desde 1992, sempre no dia 15 de julho, se destacam as recorrentes campanhas educativas sobre a necessidade de mais atenção quanto à própria saúde. E não é por acaso que haja tanto esforço de conscientização com foco no autocuidado masculino - ações que ficam em evidência também no “Novembro Azul”, quando há larga promoção informativa sobre o problema do câncer de próstata.
Ocorre que esse grupo de pessoas costuma evitar consultas preventivas e não realiza visitas médicas com regularidade. Quando chegam a um consultório, os homens ainda demonstram mais resistência em aderir a um tratamento. Além disso, apesar do fácil acesso ao conhecimento, a maioria desconhece informações importantes para viver e envelhecer com mais qualidade de vida e bem-estar.
Historicamente, conforme dados do Ministério da Saúde, a maior parte das mortes masculinas (em média, mais de um quarto) foi causada por doenças do aparelho circulatório. Causas externas, como crimes e acidentes de trânsito, aparecem em segundo lugar, seguidas por cânceres e tumores. “O grande problema é que, sem buscar ajuda preventiva, só vamos descobrir problemas em estágio avançado, que já podem ser irreversíveis. Um cenário que poderia ser muito diferente. Afinal, se houvesse uma cultura de autocuidado, se muitos desses problemas tivessem sido investigados antes, poderíamos tratá-los com poucos riscos de complicações”, destaca Flávia Coimbra Pontes, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional Minas Gerais (Sbem-MG).
As considerações dela são respaldadas por Magno, que também acredita que o devido acompanhamento médico seria uma medida eficiente para reduzir as taxas de mortes masculinas no país. Ele lembra que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os homens vivem cerca de sete anos a menos que as mulheres: enquanto elas chegam, em média, aos 79 anos, eles não ultrapassam a marca de 72.
Notadamente, as estatísticas sobre a expectativa de vida são inversamente proporcionais àquelas que indicam a frequência de busca por atendimento. Basta ver que, de acordo com números do Programa Nacional de Saúde, considerando a população que realizou alguma consulta com profissionais de saúde em 2019, a proporção de pacientes mulheres foi sensivelmente superior à de homens (82% contra 69%).
“Esse comportamento arredio está tão enraizado que, quando atendo um homem, é comum que a mulher dele tenha marcado a consulta”, salienta Flávia. Ela observa que, em algumas situações, elas chegam a acompanhar os maridos delas. “Parece que esse um papel, do cuidado, é designado a mulheres”, destaca. Faz sentido. Basta lembrar que, quando crianças, os meninos costumam ser levados pelas suas mães a visitas com pediatras. Já no caso de adultos, esse papel passa, muitas vezes, a ser desempenhado pelas companheiras desses homens, considerando-se aqui um contexto de relações heterossexuais.
Desconhecimento
A pesquisa realizada pela SBU, em 2015, apontou que o nível de preocupação masculina está desalinhado em relação ao grau e à qualidade de conhecimento sobre o assunto de saúde. Por um lado, os resultados mostram que, para os homens, a disfunção erétil é um motivo de preocupação maior (28%) do que o desemprego (25%). Apesar disso, quase metade (48%) nunca ouviu falar sobre a reposição hormonal masculina com testosterona, que está diretamente ligada à dificuldade para ter ou manter uma ereção que permita ter relação sexual satisfatória.
Sem conhecimento sobre possíveis tratamentos, a automedicação torna-se um desdobramento comum do problema. “Muitos, mesmo sem indicação, recorrem a remédios, o que pode ser perigoso”, adverte Carlos Magno.
“Hoje, consideramos essa disfunção um marcador de problemas de saúde, principalmente vascular. Geralmente, esse problema ocorre cinco anos antes de o paciente ter um infarto. Portanto, é preciso investigar quais são os fatores desencadeantes, que podem ser psicoemocionais – em casos de estresse, ansiedade ou depressão – e/ou metabólicos e fisiológicos – em casos de diabetes, obesidade, tabagismo e problemas hormonais oriundos da andropausa, por exemplo”, explica, citando que 83% dos homens desconhecem sintomas da redução da produção de testosterona pelo organismo.
“Dessa maneira, se houver o diagnóstico, podemos realizar o tratamento correto. Mas, ao contrário, se se apela para a automedicação, pode-se potencializar o risco de problemas circulatórios, que, vale lembrar, são a principal causa de mortes masculinas no país”, alerta. Acentua o problema o fato de mais da metade (51%) dos brasileiros não consultar um urologista ou cardiologista regularmente.
Barriguinha. Ainda se falando da dificuldade de percepção sobre sinais de alerta, que deveriam indicar a necessidade de cuidado, o estudo da SBU aponta que a “barriguinha de chopp” não é levada a sério como deveria. Nesse quesito, conforme o relatório, 59% não sabem qual a medida ideal da circunferência abdominal para evitar problemas de saúde (o ideal é que esteja entre 90 cm e 95 cm), e 55% dizem desconhecer o tamanho de sua própria cintura.
Falta acompanhamento
O urologista Carlos Magno acredita que a adolescência é o ponto de ruptura entre a população masculina e a busca ativa por atendimento médico. “Enquanto crianças, não há muitos problemas porque, em geral, as famílias levam seus filhos para pediatras. Contudo, diferentemente das mulheres, que passam a ir a um ginecologista após a primeira menstruação, eles simplesmente deixam de visitar profissionais de saúde com regularidade quando se tornam adolescentes”, observa.
O especialista sublinha que esse comportamento está longe do ideal. “Sem assistência, esses meninos ficam perdidos e podem sofrer com diversos desafios de ordem sexual. Este é um momento em que deveriam receber orientação sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e sobre formas de prevenção de gravidez não planejada, afinal, o ônus dessa responsabilidade não deve ser só das mulheres”, diz.
Já na fase adulta, outras adversidades podem ser mais bem enfrentadas com o devido acompanhamento médico. “Falando de problemas que impactam especificamente a população masculina, podemos citar o câncer de próstata e o de pênis, que são mais prevalentes em adultos e em idosos”, situa Magno.
Descuido. Não deixa de ser curioso que, embora a disfunção erétil seja um dos principais motivos de preocupação de cerca de um terço dos homens, muitos não cuidam adequadamente da própria genitália: em alguns casos, a má higienização chega a causar o câncer no órgão. Esses tumores matam cerca de 500 pessoas por ano no país, conforme dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Já o câncer de próstata, mesmo vitimando em torno de 15 mil brasileiros por ano, continua a ser um problema negligenciado. É o que mostra uma pesquisa de 2017, realizada pelo instituto Datafolha a pedido da SBU. Segundo o levantamento, 21% da população masculina considerava que o exame de toque retal não era “coisa de homem”. Esse grupo disse só aceitar a realização do teste do antígeno prostático específico (PSA), que, na maioria das vezes, não é conclusivo para o diagnóstico do tumor prostático.
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15 Julho, 2021